O caminho para a total realização do Eu Superior pode estar num mosteiro...
...mosteiro ou num convento, para uma pessoa, e na vida familiar ou numa carreira no mundo, para outra. Se um homem afirma que esse caminho pode ser encontrado exclusivamente num só desses lugares, está enganado. Se insiste em impor essa idéia a todos os aspirantes, está pecando. Se alega a iluminação como autoridade, essa iluminação pode ser apenas parcial, limitada e incompleta.
Se um homem permanece em sua casa e na sociedade secular ou se, pelo contrário, entrar para um vida monástica e ascética, sua iluminação não é garantida pela segunda escolha nem obstruída pela primeira. O deus dentro dele é seu vigia secreto, seja ele leigo ou eremita. Ele pode corromper-se ou purificar-se em qualquer estado, compreender a verdade ou deixá-la escapar, esteja ele em atividade no mundo (como a maioria de nós tem de estar) ou fechado numa ordem religiosa, ashram ou templo.
A idéia de que o homem que se casa, tem filhos, vive do outro lado da rua e vai de trem todos os dias para o trabalho não está preparado para receber a graça de Deus, ao passo que o homem que veste uma batina de padre ou um manto de monge está, é uma daquelas idéias diligentemente fomentadas pelos próprios padres e monges. O fato é que a graça não olha roupas, posição ou atividades sociais; que ela pousa naqueles cujos corações e mentes procuram-na mais e de maneira correta; que hoje Cristo é militante, está atuando no interior do homem, esteja ele onde estiver, seja com que roupas for, e servindo a sociedade da forma que escolher; e que Seus verdadeiros seguidores não são facilmente identificáveis por nenhum rótulo externo, mas podem ser facilmente considerados segundo sua própria consciência, em seu grau de conscientização. Não são exibicionistas profissionais, ansiosos para mostrar sua espiritualidade, para falar sobre ela e impressionar os outros. Podem estar passivos num mosteiro ou ativos num escritório — não é isso o que importa. O que está ocorrendo no interior deles?
Não há superioridade especial em nenhuma das duas condições de vida — a monástica ou a de família. Todo aquele que glorifica a condição de monge como a mais alta oferecida aos seres humanos, erra. Todo aquele que glorifica a condição de família como sendo a melhor, também erra. O que pode ser dito, com correção, é que, para certas pessoas, em certos períodos e de acordo com as circunstâncias, um ou outro estado é melhor. Para as mesmas pessoas, em épocas diferentes e em circunstâncias diferentes, ambos podem ser piores. É assim que se institui a universalidade, alegando-se que um ideal é o mais satisfatório e o mais espiritual, o que é errado.
Cada um deve descobrir o caminho que lhe foi exclusivamente determinado e não aceitar, de forma passiva, imitadora, o caminho que foi determinado para outro homem. Ainda que seja verdade que alguns realizaram o objetivo vivendo uma vida normal, no mundo, casados e ativos, outros só conseguiram chegar a essa realização enquanto libertos dos caminhos do mundo. É, portanto, essencial que o indivíduo seja ele mesmo, um indivíduo, e que sua voz interior o guie ao caminho específico, adequado a seu destino.
Para o chefe de família a vida doméstica é uma alegria; para o monge é uma carga. Nenhum dos dois está errado. Tudo é uma questão de ponto de vista. Cada um herdou sua inclinação de seus eus anteriores.
Ele não precisa abandonar a vida de chefe de família, a menos que uma ordem divina lhe diga para fazê-lo.
Não são necessariamente fortes e heróicos aqueles que permanecem no mundo s e desprezam o ato de retirar-se dele. Pode ser que os prazeres e as posses mantenham-nos no mundo. Igualmente, aqueles que não têm nada a que renunciar — os pobres, os infelizes, os desapontados e os fracos — não fazem sacrifício algum ao entrar para o abrigo do claustro, para a paz do mosteiro.
Há os que abandonam o mundo, seus tumultos e ações inúteis; fazem bem. Mas nós que somos fiéis à filosofia, podemos abandonar o mundo ou permanecer nele, como preferirmos. Porque podemos fazer dele um caminho para a Paz-Perene.
Se assim escolher, ele é livre para viver nos relacionamentos humanos normais, para seguir uma carreira no mundo, para casar-se e gerar filhos. É claro que, necessariamente, isso acarretará certas condições disciplinares. Mas ele não será o- brigado a fugir de todos os bens para florestas, mosteiros ou coisas assim.
Estar fora, no mundo, ou dentro de um claustro não é tão importante para o homem quanto seus pensamentos e sentimentos, caráter e consciência terem a direção correta. Os dois ambientes podem ser uma obstrução ou uma ajuda às suas aspirações espirituais, dependendo de sua natureza particular. Sim, até mesmo o mundo pode ser um meio de desenvolvimento, se ele o usar para esse propósito específico.
Os monges que saíram do mundo podem ter abraçado uma vocação adequada e boa para eles, mas não é necessário, nem correto, sugerir que todos façam o mesmo. Em primeiro lugar, nem todos poderiam fazê-lo.
O desapego ao mundo é uma necessidade absoluta para o homem que procura a autêntica paz interior, e não sua simulação imaginada. Mas renunciar ao mundo não é necessário a ninguém, exceto aos que têm vocação inata para a vida monástica.
A Busca - The notebooks of Paul Brunton (volume II) pag.127,128
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