quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A Prática da Presença Divina















Este texto é de Carlos Cardoso Aveline, pode ser conferida na íntegra no site: www.FilosofiaEsoterica.com 

Não importa se você está em sua casa, em uma biblioteca ou numa praça pública. Imagine-se, agora mesmo, diante de uma presença divina. O que você pensaria, se percebesse que uma grande inteligência espiritual, de uma sabedoria infinita, está a seu lado? Qual a sua atitude se percebesse que um ser santo e sábio, um instrutor da humanidade, observa, neste preciso instante, suas emoções e pensamentos? Teria vergonha, sentiria orgulho, ou seria tomado pela emoção? Ficaria calmo ou nervoso?

Sejam quais forem as suas respostas para as perguntas acima, elas não são um mero exercício de imaginação. Cada ser humano sempre está, de fato, na presença do mundo divino e do princípio supremo do universo. Mesmo que tenha uma tendência crônica de esquecer desse fato.

Acostumados com a falsa idéia de que o mundo divino é algo distante, muitos pensam que os grandes sábios e instrutores da humanidade estão fora do seu alcance. Isso, é claro, estimula a preguiça e é tranquilizador para os mais acomodados: assim, eles podem insistir no erro sem serem perturbados pela idéia inquietante de que uma inteligência divina observa o que fazem. A incômoda verdade, porém, é que todos os assuntos humanos estão imersos em uma consciência maior, que os registra, observa e busca conduzir para o caminho do bem. Nada fica sem registro, para nosso débito ou crédito.

Se a energia divina e o princípio supremo estão em toda parte, porque eles não estariam também em minha própria alma, e ao meu lado, como mestres, protetores e conselheiros? A questão espiritual gira em torno do desafio central que é perceber conscientemente a presença da energia sagrada em cada momento da nossa vida.

As dificuldades para a percepção da presença divina são mais aparentes do que reais. Estão no efeito hipnótico que o mundo externo tem sobre nossa consciência, e na nossa preocupação excessiva com nós mesmos. A filosofia dos kleshas, na tradição da Raja Ioga, explica bem o processo: primeiro, a ignorância espiritual (avidya) causa a impressão de que somos um “eu” separado da vida ao nosso redor. Essa sensação tem o nome de asmita. Depois, o egoísmo nos faz prisioneiros das emoçõesbásicas de atração e rejeição. Esses são os dois braços de uma vontade de viver que é espiritualmente cega (abhinivesha).

Porém, com o surgimento de novos valores e a crise da religiosidade dogmática, os obstáculos à libertação espiritual vêm perdendo força. Milhões de pessoas cansam da antiga postura do avestruz, que enterra a cabeça nas areias da crença cega, ou preocupação consigo mesmo, para fugir da visão do céu imenso e do sol da fraternidade.


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Cada cidadão que ergue seu olhar adquire consciência da sua condição de cidadão planetário e percebe melhor a presença divina no ambiente humano. A austeridade, o altruísmo, a oração, a meditação e o exercício constante do bom senso são técnicas que simplificam nossa vida interior, libertam a nossa consciência de questões menores e abrem espaço para a vivência do sagrado.

Olho mentalmente as multidões agitando-se nas ruas das cidades brasileiras e posso reconhecer nelas a presença divina. Milhares de pessoas apressadas, vendedores gritando, cidadãos fazendo refeições rápidas nos balcões de bares, em meio ao ruído do trânsito. O burburinho humano é o burburinho da vida. Em qualquer situação, as pessoas buscam o bem, e ajudam umas às outras na luta pelo que é bom. A soma dos conflitos humanos é infinitamente menos importante que a ajuda mútua, que nos torna animais sociais. O mero ato de viver em sociedade implica uma atitude de colaboração e uma atuação em conjunto. A inveja, a competição e a violência são episódios menores na vida da barulhenta fraternidade humana, que sobrevive unida pelo amor. Em cada pessoa há uma luz interior que é eterna. Os milhões de pequenos gestos solidários que fazem o dia-a-dia da nossa civilização expressam com força silenciosa um sentimento sagrado de respeito incondicional pela vida.

Pensar na lei do equilíbrio universal faz com que desapareçam as nossas feridas psicológicas. As injustiças que sofremos perdem a importância, e o coração se enche de paz. A lembrança da presença divina constitui há milhares de anos uma técnica espiritual definida, que podemos aplicar criativamente à nossa própria realidade específica. Ela já era usada na Grécia antiga, mais de 500 anos antes da era cristã, quando Pitágoras deu impulso à tradição esotérica ocidental. O fato está bem registrado. Sextus, o pitagórico, escreveu:

“Coloque a divindade diante de si mesmo em todas as suas ações. Invoque-a como testemunha de tudo o que fizer.” Por outro lado, Sextus também advertiu: “Você não estará escondido da divindade quando agir injustamente, nem quando pensar em agir mal. Nem pense naquilo que você não quer que a divindade saiba”.

Demócrates afirmou: “Aquele que acredita que a Divindade vê todas as coisas não pecará, nem ostensivamente nem em segredo.” E um terceiro sábio pitagórico, Demófilo, ensinou assim a prática da Presença:

“Se você tiver sempre o cuidado de lembrar que, em qualquer lugar em que seu corpo ou sua mente tomam qualquer atitude, a Divindade está presente como um fiscal da sua conduta, você reverenciará em todas as suas palavras e ações a presença de um fiscal do qual nada pode ser escondido, e, ao mesmo tempo, terá a Divindade como íntima amiga.” [1] ...

Para Lawrence, os seres humanos devem criar um sentido da presença da divindade usando a técnica de conversar mentalmente com ela o tempo todo. Lawrence considerava vergonhoso deixar de conversar mentalmente com o que é sagrado para pensar em ninharias pessoais: por outro lado, a presença divina, segundo ele, não é ocasião adequada para pedir favores pessoais, mas sim para ver-se livre das preocupações humanas de curto prazo. Aquele cozinheiro sem formação teológica preferia viver diretamente a experiência mística, ao invés de discursar teoricamente sobre ela.

Cada vez que Lawrence enfrentava uma dificuldade ou um desafio e precisava praticar uma virtude, ele orava, dizendo:

“Senhor, eu não posso fazer isso, a menos que Você me ajude”. E então ele recebia uma força maior que a necessária. A figura do Senhor, do ponto de vista esotérico, era a personificação da sua consciência búdica e da sua própria alma imortal.

Podemos viver conscientemente imersos na presença divina? Todo ser humano tem momentos de inspiração sagrada. Ele experimenta ao longo da sua vida diversos momentos de elevação mística e força espiritual. Durante esses instantes inspiradores, o cidadão esquece de si mesmo ou de seus interesses pessoais de curto prazo, mergulha em um estado de espírito diferente e mágico e percebe um significado maior em sua vida. Mas, ao invés de receber de quando em quando a rápida visita de um estado de consciência mais elevado, alguns preferem viver permanentemente na presença dessa intuição e sabedoria, abandonando os padrões de comportamento que produzem ansiedade e sofrimento. Um livro clássico da mística cristã, “Imitação de Cristo”, ensina:

“Se ao menos uma vez entrares perfeitamente no Coração de Jesus e gozares um pouco do seu ardente amor, não te preocuparás com o teu proveito ou prejuízo. Ao contrário, te alegrarás com os sofrimentos, porque o amor de Jesus faz com que o homem despreze a si mesmo. O amigo de Jesus e da verdade, o homem realmente espiritual, livre de afeições desordenadas, pode facilmente se recolher em Deus e, elevando-se em espírito acima de si mesmo, experimentar delicioso descanso.”

Segundo Imitação de Cristo, felizes são os ouvidos que não atendem às vozes que fazem barulho lá fora, “mas à verdade que ensina lá dentro”. A verdade fala dentro de nós “sem o estrépito das palavras”. [9]

É quase impossível afastar-se totalmente da divindade, já que ela faz parte da nossa essência. Jorge Luis Borges escreveu que fugimos da consciência cósmica porque, se a olhássemos muito de perto, ela nos aniquilaria. De fato, quando olhamos profundamente a verdade universal, nossa pequena visão superficial da vida desaparece. O sentimento que experimentamos é então ao mesmo tempo de felicidade pela percepção da vida infinita e de dor pela perda do mundo psicológico feito de apegos.

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